Professores da rede estadual de ensino, estudantes, pais e os moradores de São Gabriel da Cachoeira, saíram para as ruas protestar e exigir melhorias na educação escolar, na manhã desta sexta-feira, 10/06.
Coordenado pelo SINTEAM (Sindicato de Trabalhados em Educação do Estado Amazonas) e Conselho dos Professores Indígenas do Alto Rio Negro (COPIARN), o ato teve como principal objetivo de exigir melhorias na educação escolar, entre os quais estão: pagamento de salários dos professores (não recebiam desde março deste ano), falta de merenda escolar e condições de trabalho.
Um documento contendo as revindicações elaborado pelos professores foi entregue formalmente no encerramento do ato ao coordenador da SEDUC local, Henrique Vaz.
As escolas foram paralisadas em três dias (quarta-feira a sexta-feira).
A FOIRN participou do ato pela educação, representado pela Diretora Presidente, Almerinda Ramos de Lima e Ivo Fernandes Fontoura, Coordenador do Departamento de Educação.
“A FOIRN que tem como missão lutar e defender os direitos dos povos indígenas não poderia ficar de fora. Se a merenda e material escolar já não chegam aqui nas escolas da sede, lá nas comunidades onde ficam as escolas estaduais é ainda pior. Recebemos várias cartas das escolas do interior tanto da rede estadual como da rede municipal que relatam problemas como a falta de estrutura, material e merenda escolar entre outros”, disse Ivo.
Escolas Estaduais no interior em greve
A escola Estadual Kariamã também paralisou as atividades nesta semana por falta de merenda escolar e material didático. O manifesto na comunidade Assunção do Içana, foi realizado no dia 08/06, quarta-feira.
Em Iauaretê, no médio Uaupés também houve manifesto durante a Assembleia Geral da Coordenadoria das Organizações Indígenas do Distrito de Iauaretê – COIDI, realizado entre 01 a 05 deste mês.
O ato feito em Assunção e em Iauaretê é apenas um retrato da situação de todas escolas da região do município de São Gabriel da Cachoeira.
Condição precária de um prédio escolar na região de Iauaretê.
Noite dia 30 de abril na maloca da FOIRN, em São Gabriel da Cachoeira. Foto: SETCOM/FOIRN
Leia abaixo a carta lida pelo Diretor Renato Matos na noite de comemoração de 28 anos da FOIRN, na Casa dos Saberes, em São Gabriel da Cachoeira.
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No dia 30 de abril de 1987 o ginásio da Diocese de São Gabriel da Cachoeira foi o palco onde se reuniram mais de 400 lideranças indígenas que vinham desde os anos 1970 se organizando e discutindo os direitos dos povos indígenas da região do Rio Negro. Neste evento que juntou diferentes etnias, povos, línguas, tradições e trajetórias históricas foi fundada a FOIRN. Nessa reunião estavam presentes não somente nossos parentes, mas também autoridades do Estado Brasileiro. Não que a presença de pessoas de contextos diferentes aos nossos fosse novidade. Nós indígenas do Rio Negro temos uma história de resistência à colonização desde a chegada de portugueses e espanhóis e mantemos nossa identidade indígena até hoje, somos sobreviventes. A fundação da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN marca mais uma dessas fases de resistência e foi com os motes de Terra e Cultura que fomos buscar nossos direitos.
A FOIRN foi criada para que nós tenhamos nosso próprio meio de expressão e reivindicação. Em prol dos povos que são negados seus direitos, do indígena com excelentes disposições de espírito e coração, um recurso humano capaz de desenvolver-se, fica fragilizado pelas brutalidades desta moderna cultura de desenvolvimento econômico. Aqui nós falamos por nós mesmos, evitando intermediários ou atravessadores.
Desde 1987 muitas ações foram concretizadas. Temos hoje Terras Indígenas demarcadas e com processo demarcação, a educação escolar indígena tem exemplos positivos, as línguas indígenas os costumes e tradições continuam a ser praticadas e, principalmente, hoje mostramos que ser indígena é motivo de orgulho, pois nossa história marca a diversidade, a pluralidade, a ampliação dos conhecimentos e caminha em conjunto com um enorme patrimônio social e natural. Afinal, a história dos povos indígenas do Rio Negro não separa o ser humano do seu ambiente, das águas, das florestas, das montanhas e dos animais. Criamos desta forma riquezas que vão além de cifrões, de números. Nossa riqueza é maior que o PIB, ela é todo esse território da qual o mundo precisa para que seu clima mantenha as condições de vida do ser humano, ela traz concepções filosóficas, mitológicas e ecológicas sobre uma das regiões com a mais rica biodiversidade do mundo, a Floresta Amazônica. Produzimos e conservamos um sistema agrícola de ampla diversidade, resistente a pragas e que não carece de venenos. Temos, portanto, enormes contribuições ao nosso mundo e lutamos para que estas sejam reconhecidas.
Este reconhecimento é o que guia os trabalhos da FOIRN, reconhecimento de que os povos indígenas habitam esta região há milênios e que contribuem enormemente ao nosso país e ao mundo. No entanto, isso somente acontece através de grandes esforços, é por isso que a luta faz parte do nosso cotidiano. Lutamos pois há interesses que prefeririam destruir nossos territórios para dar lucro para quem já está soterrado de dinheiro. Temos que lutar pois somos ameaçados com ideias que menosprezam e querem uniformizar nossos conhecimentos milenares. Lutar porque aqui já queimaram malocas e demonizaram nossos costumes. Lutar, pois há ameaças constantes sobre capítulos da Constituição que garantem os direitos indígenas para facilitar expansão do agronegócio, exploração mineral e madeira.
A FOIRN dialoga com o poder público, propondo o uso sustentável de recursos naturais para o bem viver das comunidades e também lutar pela nossa cultura e território.
Esta luta tem mais de 28 anos, mas há 28 anos trabalhamos com essa ferramenta garantida pela Constituição Federal de 1988, que é a associação indígena. Aqui na FOIRN propomos e acompanhamos as políticas públicas governamentais. Assim, construímos no dia a dia uma ponte entre a comunidade mais distante e o Estado Brasileiro. Fazemos as reivindicações de nossos parentes ecoarem nos Palácios do governo e chegarem a quem pode tomar decisões que garantam nossos direitos.
Apesar de toda esta trajetória nos últimos 28 anos, ainda recebemos críticas sem fundamentos de que as terras indígenas trazem atraso e impedem o progresso. Lembramos para estas críticas que é em nome desse progresso brutal que causa impacto ambiental predatória é responsável para acontecer à fúria da natureza ocasionando inundações, nevascas, desertificações em várias partes do planeta, é nessa hora que não vale nada o orgulho e poder dos países e homens mais ricos do mundo nesse bojo estamos nós indígenas. Diante da reação da natureza não existe protocolo nem todo dinheiro do mundo para acordar uma trégua.
Vale que os parentes no Mato Grosso do Sul são mortos por proprietários de grandes fazendas. É este progresso que polui nosso mundo e faz com os que mais ricos fiquem mais ricos e os mais pobres mais pobres. As Terras Indígenas são, ao contrário disso, reais exemplos de progresso. Nelas ainda se encontra ar puro, água, espaço, liberdade e reciprocidade. Nelas se pode viver sem nos submetermos a patrões e donos de negócios que querem só nossa força de trabalho e pagar o mínimo possível para que possam lucrar o máximo.
Convidamos assim vocês para refletirem sobre o nosso mundo de hoje, pensarem como podemos melhorá-lo e que estratégias podemos traçar em conjunto, pois essa história de 28 anos traz uma marca importante dos nossos ancestrais, a coletividade. Nossa instituição sempre foi e continuará de portas abertas para que nossos trabalhos sejam conhecidos, analisados e melhorados.
Assim como não deixamos de sermos indígenas por usarmos novas tecnologias ou falarmos português, não deixaremos que novas táticas de colonização acabem com nossos saberes e práticas milenares. Saibam suas histórias, procurem saber a versão não somente dos dominantes, mas também a versão daqueles que resistem que lutam para que injustiças não sejam perpetuadas. Uma grande parte dessa história de resistência está aqui, ela é incorporada pela FOIRN, está na nossa maloca, nas nossas lideranças, nas nossas comunidades, roças, em danças de cariçu, em rodas de caxiri e também em nossos livros, arquivos e vídeos. Conheçam esta história.
Os parabéns a FOIRN e a todos que contribuíram para sua existência no passado e no presente, é na verdade um parabéns à diversidade, à pluralidade e à tudo que nossos povos indígenas do Rio Negro representam.
Diretor Renato Matos lendo a carta de comemoração de 28 anos da FOIRN. Foto: SETCOM/FOIRN
São Gabriel da Cachoeira – AM, 30 de abril de 2015
A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN fundada em 30 de Abril de 1987 para defender os interesses e direitos dos povos indígenas que habitam a Região do Rio Negro na abrangência dos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos no Estado do Amazonas – Brasil, tendo em vista o julgamento sobre a Petição 3388, pelo STF, no dia 23 de outubro de 2013, sobre o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, vimos a público manifestar nosso integral repúdio às pretensões manifestadas pelo Advogado-Geral da União, Ministro Luis Inácio Adams, de reeditar a Portaria 303/2012, que pretendia estender as condicionantes instituídas por ocasião do julgamento da homologação da Raposa Serra do Sol, em 2009, a todas as terras indígenas do País.
Entendemos que tal medida, mesmo que suspensa desde abril do corrente ano, devido às pressões das mobilizações indígenas, foi responsável pelo agravamento da insegurança jurídica e social, pelo aumento da violência e pelo o recrudescimento do preconceito racial contra os povos indígenas. Estamos convencidos de que tal medida, a guisa de uniformizar a atuação dos advogados da União em casos idênticos, atende exclusivamente aos interesses dos ruralistas, mineradores e indústria petrolífera, que pretendem, com isso, avançar sobre os territórios indígenas, a fim de explorar os recursos naturais e minerais preservados graças a presença dos povos originários, em detrimento dos direitos indígenas.
Consideramos que a decisão da Suprema Corte, em relação à Petição 3388, afasta definitivamente a pretensa generalização das 19 condicionantes, ao afirmar que: “a decisão proferida na PET 3.388/RR não vincula juízes e tribunais quando do exame de outros processos, relativos a terras indígenas diversas”. Apesar disso, o Advogado-Geral se apressa em afirmar que pretende insistir na reedição desta malfadada portaria, contrariando o bom senso e atentando contras os direitos fundamentais dos povos indígenas.
Ao invés de tentar criar obstáculos, a União deve se empenhar para agilizar os processos de demarcação que se encontram paralisados, alguns há anos, aguardando despachos meramente administrativos, em claro descumprimento a preceitos fundamentais e constitucionais, uma vez que a Suprema Corte já reafirmou o direito originário dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam.
Portanto, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN reitera a recomendação de que a Advocacia Geral da União revogue a Portaria 303 e se abstenha de editar quaisquer outros instrumentos normativos que possam representar obstáculo ao pleno reconhecimento dos direitos originários dos Povos indígenas às terras por nós ocupadas, conforme previsto na Constituição Federal e na Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais.
Diretoria Executiva da FOIRN
São Gabriel da Cachoeira-AM, 08 de Novembro de 2013.